segunda-feira, 20 de julho de 2009

Capítulo 1

Subiu as escadas com as mão suadas, apesar do frio, fechando o guarda-chuva às pressas e pensando no que ia dizer, se estava vestido adequadamente e como seria sua vida de trabalhador dali para frente. Entrou e se identificou no balcão de informações como o candidato à vaga de auxiliar. Pediram para que aguardasse alguns minutos.
O cartório estava cheio, com calafrios no estomâgo, sua visão periférica estava temporariamente desativada e não encontrou nenhum lugar para se sentar. Ficou de pé em frente a porta e ao balcão de atendimento (autenticações e reconhecimento de firma).
Notou que os funcionários, lá do outro lado, o olhavam com curiosidade, faziam comentários e sorriam. Ficou mais inseguro e sua gastrite nervosa, que não falta em ocasiões como essa, se manifestou. Tentava adivinhar do que riam, achava que era por causa da roupa. Não se sentia avontade em roupas sociais e saiu de casa acreditando que estava bem vestido com sua mais bela calça, verde musgo, de barra italiana, pois a outra - só tinha duas - era preta e estava desbotada, além de apertada. Sua camisa era cinza e brilhava, era de seda, usava-a para ir às baladas da época que exigiam esporte fino e não autorizavam a entrada com boné, seu melhor amigo. Por alguns instantes pensou que era por isso que riam, sem o boné bordô ou o azul, ficava totalmente nú, com aquele cabelo disforme e crespo.
Depois achou que não era aquilo, tinha cortado há poucos dias, raspado na máquina nº2 e eles não o conheciam com ou sem o adereço, sua segunda pele, não poderiam achar tão estranho, a ponto de rir, pois era o primeiro contato.
seus pensamentos voltaram-se à sombrinha preta que pingava desenfreadamente no chão do recinto e que tinha uma aste quebrada, não dobrava, o que a deixava praticamente aberta, mesmo estando fechada.
Sentia suas orelhas quentes e não aguentava mais aquela situação, queria ser chamado logo para a entrevista, para terminar logo com a agonia.
Olhava disfarçadamente para cada rosto que o olhava do outro lado, através dos quadrados do balcão e após alguns longos minutos foi chamado para sentar-se na mesa de procurações, em breve começaria a entrevista com o oficial...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Os últimos dias foram difíceis, por motivos evidentes e subliminares. No alto da colina, em época de vento forte e frio com sensações térmicas além do que realmente esta, saiu à varanda de madeira, enrolado em sua coberta com estampa xadrez, com um cigarro no beiço e uma xícara de café, enfrentando de maneira pouco sábia, seu resfriado que nunca falta à visita de velho companheiro dos invernos de “peito cheio”.
Olhava para onde não tinha o que ver devido à ausência de luz e relembrava com um sentimento que palavras não explicam, sua juventude turbulenta.
Recordava das amizades, dos lugares, dos amores, dos romances, dos livros e de tudo o que influenciou sua vida e suas crenças. Alguns pensamentos traziam mais saudades do que outros, mas se tivesse uma nova oportunidade faria de maneira diferente. Só para ver onde estaria hoje. Queria saber se o sentido que buscava há tantos anos atrás fosse realmente a solidão que daria a resposta vã.
O cigarro já estava no fim, restava-lhe poucos tragos, não mais que dois, quando lembrou da vidente que passará por seu caminho em uma tarde ensolarada de um verão distante, quando ainda jovem, jogava futebol com seus amigos, que não sabe se estão vivos e que, conseqüentemente, tem ainda menos informações sobre seu paradeiro. Ela parou o garoto e suas palavras emocionadas nunca saíram de sua cabeça confusa. Disse que, infelizmente, morreria cedo, porém pela ética da profissão, não quis dizer qual seria a causa, para isso, era necessário que pagasse pelo serviço espiritual. Sem dinheiro, como sempre, bastou saber que não viveria muito e saiu.
A tosse já fazia ruídos à comunicação interna e decidiu voltar para perto da lareira, lá o clima era mais agradável. Antes de entrar, dando o terceiro trago no cigarro que já quase queimava seus lábios, pensou que se talvez não tivesse fugido e se escondido nas colinas distantes da civilização, já tivesse passado de plano e a vidente teria acertado em sua previsão, que não era de todo erro, pois já não se pode afirmar que está vivo, apenas espera a morte chegar. Sua covardia não permite que faça isso com suas próprias mãos.