Eu tenho um amigo que, para a sua própria sorte, não nasceu no final do século XVIII, ou durante o XIX. Se assim o destino tivesse escolhido, acredito que com a idade que tem hoje já seria um velho, restando para ele pouco tempo entre os vivos. Como sofre de romantismo, padeceria vítima do mal do século. Claro que o romantismo do qual é vítima não é aquele barato e simplista das novelas, mesmo ele servindo de modelo para dramalhões mexicanos – característica que já lhe rendeu um apelido entre os colegas de trabalho. O romantismo que tomou conta desse meu amigo abrange todo o significado da palavra. Ele é um sentimental. Sofre diante da vida por opção, e a enfrenta apenas com os sentimentos. Esforça-se para usar da razão, mas a sua imaginação, a crença na humanidade dos homens e as angustiantes descobertas artísticas e literárias sempre o distanciam de seus objetivos: colocar a cabeça no lugar, organizar os pensamentos e racionalizar, um pouquinho, o mundo. Traga seus cigarros insistentemente, buscando encontrar no tom cinza-azulado da fumaça as respostas para as injustiças incompreensíveis, para os seus prazeres materiais, espirituais e artísticos. Mesmo um fato justificável, por vezes transforma-se em uma injustiça. Identifica-se, também por opção, com os personagens tísicos dos autores russos. Compara-se a Raskholnikov, quando na verdade vive a vida como ela é, no melhor estilo rodrigueano. Refugia uma garrafa de vinho barato entre as camisas, meias e cuecas de seu guarda-roupa – companhia preferida nas noites amenas de outono, ou usada como remédio para as crises crônicas de desilusões amorosas.
A verdade é que esse meu amigo carrega para a mesa do bar boa prosa, histórias, descobertas e um companheirismo sem igual. Não teme assumir o que não sabe e nunca demonstra inveja das conquistas dos seus parceiros; pelo contrário, apóia, incentiva, opina e parabeniza. Brinca com as próprias desventuras amorosas, com a falta de grana e com as angústias imaginadas. Reclama de indisposição para beber ou sair de casa, mas sempre sai e não nega a saideira. Causa nos companheiros risos intermináveis, daqueles que fazem chorar e deixam a barriga doendo. Ouve os conselhos dos colegas com a mesma atenção que damos aos analistas quando encerram a sessão, pensa sobre o assunto e depois de semanas dá notícias de que voltou a cometer os mesmos erros. Ele não sabe, mas de tísico e triste não tem nada. Ama a vida e já está descobrindo a sombra das árvores.
Para a nossa sorte, esse amigo não nasceu no século XVIII ou XIX. Uma companhia como essa precisamos arrastar para a velhice, entregar filho para o batizado, dividir a conta do churrasco de domingo e ligar quando o carro quebra e você deixou o seguro atrasado três meses.
A verdade é que esse meu amigo carrega para a mesa do bar boa prosa, histórias, descobertas e um companheirismo sem igual. Não teme assumir o que não sabe e nunca demonstra inveja das conquistas dos seus parceiros; pelo contrário, apóia, incentiva, opina e parabeniza. Brinca com as próprias desventuras amorosas, com a falta de grana e com as angústias imaginadas. Reclama de indisposição para beber ou sair de casa, mas sempre sai e não nega a saideira. Causa nos companheiros risos intermináveis, daqueles que fazem chorar e deixam a barriga doendo. Ouve os conselhos dos colegas com a mesma atenção que damos aos analistas quando encerram a sessão, pensa sobre o assunto e depois de semanas dá notícias de que voltou a cometer os mesmos erros. Ele não sabe, mas de tísico e triste não tem nada. Ama a vida e já está descobrindo a sombra das árvores.
Para a nossa sorte, esse amigo não nasceu no século XVIII ou XIX. Uma companhia como essa precisamos arrastar para a velhice, entregar filho para o batizado, dividir a conta do churrasco de domingo e ligar quando o carro quebra e você deixou o seguro atrasado três meses.